PURI
O povo indígena Puri é originário dos quatro estados do Sudeste brasileiro, e seu território de ocupação tradicional corresponde a toda região banhada pela bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul, e áreas limítrofes das bacias dos rios Grande e Doce. O termo Puri no idioma Coroado significa "ousado" em referência ao característico modo surpresa de atacar seus rivais. Os Puri e Coroado denominaram-se mutuamente da mesma forma, sendo o termo "Coroado" uma nomeação feita pelos não-indígenas, cuja corruptela teria originado o etnônimo "Koropó". Segundo registros de tradições orais, os Coroado e Puri compunham originalmente um mesmo povo, juntamente aos Koropó (AGUIAR, 2010).
Na área rural do estado de Minas Gerais, existem comunidades Puri em territórios de ocupação tradicional da etnia, organizadas em associações, envolvidas na luta pela terra e outros direitos, como a educação.
A Associação de Agricultores Familiares da comunidade Puri de Araponga foi responsável pela criação da EFA Puris (Escola Família Agrícola Puris), que é uma instituição de Ensino Médio Técnico, na qual conhecimentos Puri no trato com a terra e o meio ambiente dialogam com técnicas modernas de agroecologia e manejo sustentável dos recursos naturais. Em Barbacena, a comunidade Puri de Padre Brito é reconhecida pelo Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Artístico de Barbacena (COMPHA) como patrimônio cultural imaterial.
No ambiente urbano, algumas coletividades Puri estão estruturadas em movimentos organizados. No Estado do Rio de Janeiro, esses movimentos se originaram a partir da presença dos Puri na Aldeia Maraká’nà, onde integraram a história do aldeamento e também consolidaram suas trajetórias em meio ao movimento indígena que se desenvolvia na capital, a partir da Maraká’nà.
Também foi a partir da Maraká'nà que no Estado do Rio de Janeiro se inicia a retomada linguística Puri.
Assim como ocorrido em Araponga- MG, essa ação se inicia nos cantos, na prática coletiva dos kanaremunde (cantos rituais), resgatada entre os Puri na aldeia Maraká'nà; primeiramente, através dos dois cantos na língua Puri trazidos da comunidade de Araponga até o aldeamento, por Dauá Puri. A esses cantos se seguiram os primeiros kanaremunde surgidos a partir da língua Puri: o "Petara" (Lua), apresentado ao povo em 2011 por Tutushamum Puri, e o "Ho thiuli" opeh (Ô grande estrela sol), apresentado em 2012 ao povo por Dauá Puri. Ambos apresentados aos Puri primeiramente na aldeia Maraká'nà.
A família linguística Puri (inicialmente chamada de Coroado) reúne os idiomas Puri, Coroado e Koropó, e foi classificada dentro do tronco Macro-Jê (RODRIGUES, 2012). Estudos linguísticos dos séculos XX e XXI apontam o Puri e Coroado como dialetos de um mesmo idioma
(LOUKOTKA, 1937; RODRIGUES, 2012; SILVA NETO, 2007; GAMITO, 2016); em outros, o Puri e o Coroado são considerados uma mesma língua (MARTINS, CABRAL, MIRANDA, COSTA, CAMARGOS, 2015).
Na retomada do uso da língua em sua comunicação, os Puri se utilizaram dos registros escritos da oralidade dos seus antigos, datados dos séculos XVIII e XIX, compilados por não-indígenas, somados à oralidade da língua sobrevivente na contemporaneidade entre famílias Puri, presentes tanto nos territórios tradicionais quanto no meio urbano.
No que diz respeito ao conhecimento acerca dos registros de sua língua, uma importante contribuição aos Puri se deu através de José Urutau Guajajara, linguista e cacique da aldeia Maraká’nà, que lhes apresentou 'La Família Linguística Coroado', trabalho de Čestmir Loukotka (1937). A partir deste material se dá a ampliação do idioma em uso pelos Puri.
Nós, povo Puri da Mantiqueira, existimos e somos presente.
Há um fato que antecede qualquer outro (internet, locais de encontros urbanos, textos, documentos, vocabulários escritos por viajantes) em relação ao Povo Puri da Mantiqueira: Temos raízes profundas na terra, Inhã Uchô (Mãe Terra, na língua Puri), e sabemos de onde viemos. Somos tão antigos aqui quanto a própria Mantiqueira.
Nos apresentamos como os “Puri da Mantiqueira”, porque sabemos que existem outros grupos na Zona da Mata de Minas, porém não somos homogêneos. Temos, em cada grupo que está vinculado à terra, histórias com pontos comuns, mas não exatamente iguais. Nossa árvore sagrada é a Araucária, por exemplo, fato que não se tem informação em outros clãs. Amamos o território que nos deu vida, memória, história, cultura e afeto. Não buscamos falar por todos os parentes, porque entendemos nossa especificidade, a abraçamos, e sabemos falar sobre nosso pertencimento em primeira pessoa, em nossa história.
Como diz a tsatêh Teresinha Puri: "A gente vive aqui há muitos anos. A nossa família foi - foi não -, é desta terra. Somos os primeiros habitantes daqui, porque a gente vive aqui até hoje".
Nossas ancestrais nos deixaram como legado a farinha de pinhão, nos ensinaram a contemplar e a conversar com a natureza. Nossas mães nos ensinam a fazer remédios com as ervas, como conta Jê Puri: "Eu nasci na mata [...]. A gente não ia a hospital. A gente era tratada com os remédios que minha mãe conhecia". Nossas anciãs fizeram e fazem para nós bonecas de paina e pano, como conta dona Donga: "as bonecas que minhas filhas usavam para brincar era feita de sabugo de milho. A gente pegava a paina, fazia um saquinho assim e depois fechava, fazia a cabeça e amarrava na ponta do sabugo". Ouvimos as narrativas sobre plantar e colher de acordo com as fases da lua, sobre produzir gamelas de argila, e nós tocamos a terra pura com as mãos.
Nosso pertencimento é nossa identidade. Nossa memória é viva nos laços familiares e nas ações coletivas.
E vale dizer que, apesar da colonização, temos palavras ancestrais de nosso povo que podem ser elos de identidade entre nós. Por mais que tenham tentado nos tirar nossa língua, há, sim, possibilidade de revivê-la, mas isso se faz quando sonhamos juntos, no território. Essa é nossa vontade coletiva: aprender a língua de nossos ancestrais e nos saudarmos entre nós, singelas palavras são sementes.
Esse processo de semeadura requer paciência e afeto entre nós. Concordamos com Dorinha Puri, que diz: “Nós gostaríamos muito de aprender a língua dos nossos antepassados”. E conta Teresinha Puri: '‘Agora, a gente tem orgulho de dizer que somos Puri. Eu tinha muita curiosidade de aprender a língua Puri, porque a gente tinha um dossiê, mas foi levado da gente, tinha uma parte que falava da língua. Nele, tinha uma parte que falava da minha avó, das coisas que nossa bisavó passou. Ela foi presa em uma fazenda. E ela não falava o português. Ninguém sabia naquela época o idioma que ela falava. Por isso, queria conhecer algumas palavras dessa língua que é da minha ancestral’'.
Nossas palavras Puri são espaços de memória, são a ancestralidade em nós.
Nós, Puri da Mantiqueira, representamos a nós mesmos. Nosso território é nosso espírito, nossa identidade. Saudamos nossa força ancestral e temos o protagonismo na nossa fala, não cabe a outros grupos falar por nós nem nos homogeneizar.
Contamos contigo para que nos compreenda, para que escute a história que está na terra e não colabore, mesmo sem intenção, com nosso apagamento e invisibilidade.
Aqui pouco usamos internet. A maioria de nós não tem nem pages nem perfis em mídias sociais. Temos esta página agora, feita para que as pessoas nos ouçam, mas entendemos que antes de tudo devemos estar em nossos territórios ancestrais, porque é nossa relação com eles que nos legitima. Existimos e vivemos, embora muitas pessoas queiram ignorar essa verdade.
As ações sem enraizamento com a terra podem ser um equívoco. Ser originário Puri é ser um ser da terra. A busca pela ancestralidade é de coletividade com nossas famílias: é escuta aos nossos pais, avós e bisavós. Todas as demais informações não farão sentido sem este princípio.
Coletivo de Mulheres Puri da Mantiqueira - Inhã Uchô
Nota: Trechos do texto foram retirados do livro Boacé Uchô: A história está na terra – Narrativas e Memórias do Povo Puri da Serra da Mantiqueira, de autoria de Aline Rochedo Pachamama (Churiah Puri). Recomendamos a leitura para conhecer a história do Povo Puri da Mantiqueira.