Diretora do Museu dos Povos Indígenas-MPI /Funapi-RJ Visita Aldeia
FERNANDA KAINGANG REZA O REZO DA REXISTÊNCIA
“Ahe-he-a-he-he-a-he-he-a-he-he-a-he..”
Ecoam os Marakás de Rexistência, com a aliteração entre erres típica da língua verdadeira, do “verdadeiro Tupi”* - o Ze’eg’ été (do coral) Tenetehara - nas vozes masculinas, mais graves, e, mais agudas, no contra-canto das mulheres e das crianças, é de arreeeepiar, no centro da roda, consagrada pelas tradições e pela criação, está a recém empossada - no final do ano passado – nova Diretora do Museu -MPI, autoridade máxima da Fundação Nacional dos Povos Indígenas-FUNAPI do Governo Federal no Estado do Rio de Janeiro.
Ela veio, depois de convites insistentes, visitar a Aldeia. Para ela, os Marakás ecoaram pedindo coragem, sabedoria, justiça e proteção ancestrais. E principiaram a sua iniciação neste Território que exige de nós indígenas, espiritualmente, que sejamos dignos da missão de Rexistência nele inscrita pela natureza e por nossos ancestrais. O encontro-ritual na Aldeia aconteceu no último dia 6 de junho deste 2024, uma data para entrar para a nossa história, afinal quem sabe faz a hora!
Ela foi a primeira Diretora do Museu, nas últimas cinco (5) décadas, ao menos, a pisar os próprios pés neste Território Sagrado. E o fez de forma surpreendente até para a comunidade indígena pluriétnica. Uma reunião formal havia sido marcada. Seria no gabinete da Diretora. Até que, um ou dois dias antes, ela remarcou. Ela mesma queria, viria e de fato veio à Tekoha! E assim pode ver, com seus próprios olhos, pode sentir em seus próprios pés, que existe uma comunidade indígena aldeada no centro urbanizado metropolizado da considerada capital cultural do país, ao lado do foi a sede globalizada dos megaeventos: do Panamericano, da Copa da Fifa e das Olimpíadas cujo legado, ela também pode ver, ainda está em ruínas, mas que ainda rexiste devido ao trabalho, ao cuidado, ao zelo e à luta cotidiana desta comunidade, em que Rexistência deve ser conjugada no plural, devido a suas múltiplas formas de ser, como cultura e ttradição.
APAGADO DOS MAPAS
A sua presença, da Diretora, Fernanda Kaingang rrompecom mais de 50 anos de apagamento, de invisibilidade, de ocultação, deste Território, desta territorialidade indígena. Aqui precisamos recordar que após o fechamento no antigo Museu pelo regime militar nos anos 60/70, e do abandono que se seguiu até os anos 2000, veio o atropelamento produzido pelo projeto de cidade global securitaria dos megaeventos. Cujos mapas, feitos por satélites com algum tipo de cegueira seletiva, apagavam a existência deste Território literalmente.
INVISÍVEL À JUSTIÇA
O atropelamento não ocorre senão com a cumplicidade, em ordem unida, dos poderes de estado de exceção não-declarado, que denunciamos então. Um apagamento que está registrado no processo, na Ação Civil Pública pelo Manejo Indígena deste Território de interesse histórico e cultural dos povos indígenas, em diversos vícios jurídicos que são determinantes de um outro processo de violência judicial contra as pessoas desta comunidade e os seus direitos individuais e coletivos de forma reiterada e irreparada, de forma cínica. Não fomos ouvidos na decisão de alienação deste patrimônio indígena. Não fomos sequer notificados dos atos dos processos devidamente em outras, sofremos com sentenças de caráter liminar injustificável e evidente abuso da violência. E, toda vez que nos fizemos ouvir, fomos criminalizados de forma torpe, estigmatizados, quando não tivemos nossa própria ancestralidade negada, de forma racista. São tais e tantas vezes que nem caberia aqui citar, senão no momento oportuno em que faremos o debate, a leitura crítica deste histórico processual junto as faculdades de direito e à sociedade.
RETOMADA DO PROCESSO
Um dos principais fatores que se refletiram contra a Aldeia nestes processos judiciais foi a retirada inconstitucional da antiga Funai destes processos como único órgão de assessoria do Estado brasileiro quanto a questão indígena e de defesa dos povos indígenas. A retomada do processo pela atual Funapi foi a principal reivindicação da liderança da Aldeia à Diretora Kaingang.
“Vimos fazendo uma peregrinação há 524 anos, convidamos a todas as personalidades, a todas as autoridades responsáveis, dizemos: - Vossas Excelências não devem prevaricar, tem que aceitar este convite, venham ver, nós existimos, somos feitos da Terra, venham nos visitar, venham conhecer a Aldeia Maraká’nà, nosso corpo pintado, nossa alma, nosso espírito ancestral, venha ouvir o som cósmico dos nossos Marakás”, reza o Cacique José Urutau.
“Fomos à Presidenta da Funapi em Brasília, e pedimos que ela retomasse o processo. Agora, com a posse da Fernanda Kaingang, fizemos, cumprindo o rito, a ela, este convite e reiteramos a nossa demanda constitucional pelo Acesso à Justiça, e ela se comprometeu, deixando registrado e assinado em ata, ela disse que vai acionar os órgãos competentes no Governo Federal para que se possa efetivar o cumprimento desta demanda de Direito.”, complementou.
*”o verdadeiro Tupi” segundo o mais antigo Tamui e Professor da Aldeia Maraká’nà TENENA GURUPY
Fotos: Perla Mayra e Maynumi Guajajara
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